Infância
Histórico – Os rituais de transição:
Os bebês nasciam em casa, no quarto das mulheres ("gineceu") com a ajuda de uma parteira ("maia"). Os homens não participavam do nascimento. A parteira pedia a ajuda das deusas Ilítia e Ártemis. Quando o bebê chegava, as mulheres soltavam um grito ritual, o "ololugê" (ululação). A criança era então envolta em panos e a mãe fazia uma oferta de agradecimento às deusas que lhe ajudaram. Essa oferta podia ser uma peça do enxoval que a mãe tivesse feito para a criança. Os garotos não eram circuncidados. Colocava-se na porta da casa um ramo de oliveira se o bebê fosse menino ou um filete de lã se fosse menina. A criança então passava por uma série de rituais, em especial 4: Amphidromia, Dekatê, Apatouria e o Khoes. Na Amphidromia, dava-se as boas-vindas ao recém nascido, cinco dias depois do nascimento. Na Dekatê (10 dias após o nascimento) a criança recebia um nome, ou seja, acontecia uma "Onomatodosia" (imposição de nome). Na "Apatouria" ('pai em comum'), a criança era apresentada à frátria, registrada nela, e isso acontecia dentro do seu primeiro ano de vida, no festival de mesmo nome. E no Khoes, que acontecia no segundo dia do festival dionisíaco da Anthesteria, as crianças entre 3 e 4 anos experimentavam seu primeiro gole de vinho, de um pequeno "khous" (cântaro) e eram então chamadas de "khoïkoi". As deidades protetoras da infância eram chamadas de "kourotrophoi". As mais comuns são Ártemis, Deméter, Geia, Hécate, Héstia, Leto, Héracles, e as ninfas.
Amphidromia (Ritual de Boas-Vindas ao Recém-Nascido):
Sabemos pouco de como era o Amphidromia, mas o nome sugere que havia o ato de carregar o bebê em torno do fogo, e os ritos gregos normalmente acompanhavam um banquete. O ritual acontecia no quinto dia após o nascimento, mas hoje podemos fazer quando a mãe voltar com a criança para casa. Segue um exemplo modernizado proposto:
A família se reúne perto de Héstia (fogo central). Dependendo da casa, pode ser a lareira ou o fogão, ou mesmo uma vela grande ou lamparina a óleo colocados num lugar central e de uma forma que a criança possa ser carregada em um círculo em torno do objeto. No exemplo, usamos 'pai' e 'mãe', mas cabe substituir no caso de outras configurações familiares. Usamos também 'ela' para a criança, podendo ser menino ou menina.
- Pai: Nos reunimos hoje para dar as boas-vindas ao calor do nosso lar a um novo membro de nossa família.
- Mãe: Todos que irão saudar e receber a criança, aproximem-se.
Os participantes se aproximam, deixando espaço para a circumambulação. O pai lava as mãos em uma tigela de água lustral, e a passa para cada membro da família. Quando todos se purificarem, a mãe ergue o bebê de frente para a lareira/vela e diz o que segue.
- Mãe: Héstia, pura, Deusa bem-estabelecida, apresentamos esta criança a você. Como trazes luz e calor a todos aqui, mostre a ela sua gentileza e mantenha-a a salvo.
Ela então entrega a criança ao pai, e lança ofertas de cevada no fogo. O pai carrega a criança em torno de Héstia, dizendo o seguinte.
- Pai: Seja bem-vinda, criança, seja bem-vinda!
- Todos: Seja bem-vinda, criança, seja bem-vinda!
Libações são vertidas aos deuses da casa (aqueles a quem os pais e outros membros da família honram em especial, incluindo as deusas do nascimento) e preces podem ser ditas para o bem-estar da criança e da família inteira. A criança pode ser presenteada com um baskania ('proteger com escudo', amuletos que podiam ter a forma, por exemplo, de uma serpente dourada), e uma refeição festiva acontece.
Onomatodosia / Dekatê (Imposição de Nome):
A Onomatodosia acontecia no décimo dia (dekatê) após o nascimento do bebê. Abaixo há dois exemplos adaptados de rituais modernos (o primeiro do Ysee e o segundo do livro ‘Old Stones New Temples’).
1) Abertura - O pai acende a pira do altar e convida os Deuses: "Deuses de Nossos Pais, / Deuses da Nação dos Gregos, / Sede favoráveis à decisão que tomamos / De apresentar esta criança às divindades / do Fogo, da Terra, da Água, do Ar / e do Olimpo". Hino às Graças - A mãe coloca em volta do pescoço da criança um medalhão com o nome da criança e chama as Graças: "Graças, sagradas filhas de Eurínome e de Zeus, / mães celestes do mundo e da ordem, / brilhantes, reluzentes, virgens muito-reverentes, / companheiras de Atena Ergane e da Urânia Afrodite, / as que permanecem junto a Febo nas reuniões dos deuses, / escutai-nos e ajam a nosso favor; / envolvei-nos na sagrada luz do Olimpo, / deixando em nosso altar a paz e as graças / de uma boa aparência e de um bom interior, / da calma, da tolerância e da gentileza, / da dignidade, da devoção e do julgamento justo". Hino às Ninfas - Feito pela mãe: "Ninfas, filhas da Primeira Virtude / geradas por Zeus e pelo Céu / amigas eternas da maternagem / deusas aéreas e perfumadas / sede favorável e atendei nosso chamado / para ajudar na vida de ..., / como puras professoras, / auxiliadoras e guias". Hino aos Deuses Patronos - Recitado pelos parentes: (Ler um hino para cada deus patrono). Apresentação - O pai circunda 3 vezes com a criança em volta da pira do altar na direção contrária ao relógio, e diz, para concluir o ciclo: "Sede os deuses patronos da/do..." Então os convidados lançam flores e frutos. A mãe continua de pé diante da pira do altar. Assim que completa a circumambulação, o pai se une a ela, ficando de pé perto da mãe. Então ele ergue a criança sobre a pira, a contempla no alto e faz a apresentação dela aos deuses e aos ancestrais: "Deuses Imortais e gloriosos Ancestrais, lhes apresento o/a..., descendente legítimo meu e de meu cônjuge, helênico/a de helênicos, sangue do meu sangue, alma da minha alma. Seja ela/e recebida/o entre os seus. Seja ela/e unida/o aos helenos, entre os filósofos e os cidadãos livres". Bênção - A mãe recebe a criança nas mãos e pronuncia a benção: "Com o maior amor que um mortal pode ter por um mortal, o qual apenas os Deuses verdadeiramente conhecem, peço que o/a... seja agraciada/o com a grandiosidade que merece, se reunindo aos helênicos, e sendo assim conhecida por seus parentes, como criatura humana que será devotada aos Deuses e aos Ancestrais, e que reverenciará o caráter e o Verbo Eterno. Deuses da Nação dos Helenos e nossos consagrados Ancestrais, concedei a graça adequada a esta pessoa tão querida que recebeu o nome de... e a qual acabamos de apresentar diante de vós." Libação - Verte-se a libação tripla de perfume, leite e mel, e todos exclamam: "Sede os deuses patronos do/da..." Encerramento - "Saúdo os Eternos Deuses de Nossos Pais, / prestando minha devoção e fé ao Sagrado Panteão, / para que os pensamentos que compartilhamos hoje / sejam enviados e reconhecidos através da terra. / Assim seja". Compartilha-se com os convidados os doces que estão reunidos no altar, onde também estão os presentes para a criança.
2) Os participantes se reúnem em torno do altar, onde estão uma vela para Héstia e imagens das deidades kourotrophoi (as mais comuns são Ártemis, Deméter, Geia, Hécate, Héstia, Leto, Héracles, e as ninfas). Incenso e ofertas de bolos e leites devem estar à mão. Os participantes devem trazer algo que simbolize um presente/dom que eles desejam para a criança: um coração de pano para o amor, um livrinho para sucesso nos estudos, uma flor para a beleza, e assim por diante. Não há problema em repetir o presente, caso haja muita gente. O ritual pode ser oficiado por um membro mais velho da família, ou líder do grupo, ou alguém que fale pela comunidade, ou outra pessoa honrada. Usamos 'ela' para a criança, mas adapte-se para o caso de um menino.
- Oficiante: Reunimo-nos hoje para dar as boas vindas a esta criança à nossa comunidade. Quem a apresenta?
- Pais: Nós a apresentamos.
- Oficiante: Qual o nome dela?
- Pais: Que ela seja chamada de [nome].
- Oficiante: O caminho que vocês seguem como pais não é fácil, há alegrias e pesares. Vocês irão cuidar dessa criança, da forma que os deuses permitirem?
- Pais: Iremos.
- Oficiante: Irão vestí-la e alimentá-la, mantê-la limpa e aquecida, e ensiná-la a viver uma vida correta? Irão educá-la nos caminhos do mundo e dar a ela as habilidades para fazer seu próprio caminho nele? Irão protegê-la dos desejos e necessidades, o quanto forem capazes? Irão cuidar dela na doença e apoiá-la na saúde?
- Pais: Iremos.
- Oficiante: E vocês, meus amigos, o que farão por esta criança?
Uma a uma, as pessoas se aproximam com suas insígnias (os presentes simbólicos que citamos acima) e expressam seus desejos para a criança, chamando-a pelo nome. Os presentes são colocados no altar. Quando todos terminarem, o oficiante segue.
- Oficiante: Possam os Deuses proteger esta criança, esta casa, e estas pessoas! Quem entre os Imortais vocês chamarão para proteger esta criança?
Um ou ambos os pais dizem uma prece espontânea para as kourotrophoi (deidades protetoras da infância), colocando ofertas a elas no altar. Todos então vertem libações aos deuses da casa. Para encerrar, os pais dizem o seguinte.
- Pais: Agradecemos a vós, [nome das deidades do lar], por sua proteção contínua à nossa família, e pedimos suas bênçãos para nós e nossa criança, [nome da criança]. Torne a vida dela doce, e que ela possa honrá-los por todos os seus dias. Vamos agora festejar com um banquete em companhia dos abençoados imortais!
Enquanto comem, pode-se abrir os outros presentes e contar histórias da infância dos membros da família. Ao terminar o banquete, colocam-se os presentes simbólicos num pequeno altar no quarto do bebê, ou no altar da família, ou amarram-se os símbolos em um fio de lá e se pendura o fio numa parede do quarto do bebê.
(Vídeos de Onomatodosia: https://youtu.be/qPo40c9bS8c e https://youtu.be/qvfEMNsiizY )
Apatouria (apresentação e registro na frátria)
Em Atenas, as crianças eram registradas na frátria do pai, uma associação hereditária, durante o festival da Apaturia, normalmente já no seu primeiro ano de vida. Hoje, se os pais pertencerem a algum grupo politeísta do qual desejam que a criança seja membro, poderia apresentá-la no segundo dia (Koureotis = Juventude) do festival da Apatyria. Quem estiver conduzindo o ritual, pode dizer "Quem entre nós foi abençado com a vida este ano?", quando os pais responderiam apresentando o bebê, e os membros celebrariam o recém-chegado com congratulações à família. Você pode também fazer apenas o Dekatê / Onomatodosia, apresentando a criança no mesmo ritual em que irá dar-lhe um nome.
Khoes (o primeiro cântaro)
Antigamente, crianças na idade entre 3 e 4 anos de idade recebiam seu primeiro cântaro ("khous") do qual beberiam seu primeiro gole de vinho, no segundo dia do festival da Anthesteria, chamado de "Khoês". Elas então eram chamadas de "khoïkoi". Lembrem-se de que os antigos nunca tomavam o vinho puro, e sim misturado com bastante água. Ainda assim, hoje podemos ofertar suco de uva, ou suco de uva com algumas gotas de vinho nele. Os pais decidem. Nesse dia, bebe-se em silêncio, para comemorar o evento de quando Orestes passou por invisível no Khoes da Anthesteria para poder ser purificado antes de fazer seu sacrifício aos deuses. Primeiro faz-se a libação, depois bebe-se, e quem for terminando continua em silêncio. Todos então retiram suas coroas de flores/folhas e as empilham numa bandeja. Há uma pausa, as cadeiras são afastadas e faz-se espaço para a dança e a música.