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Mais sobre o patronato e afins

(texto de 21 de agosto de 2011)


Após ler algumas postagens de blogs estrangeiros, resolvi trazer este assunto para cá. A questão dos patronos gera alguns problemas entre os helênicos: -> Alguns tomam o patronato longe demais e fazem dos deuses praticamente um camarada, companheiro de bebedeira, parceiro de truco (rs) etc, ou mesmo acham que possuem um destino cósmico extremamente grandioso por se acharem muito intimamente ligados à deidade; -> Outros acham que precisam ter um patrono, como se não ter descoberto o seu fosse um sinal de desamparo ou deficiência ou indignidade por não ter recebido um 'toque' da deidade; -> Muitos confundem um interesse em uma deidade ou em algo que a deidade rege como se fosse um sinal de patronato (tipo: "eu gosto de amarelo e de poesia e de música, então devo ser de Apolo" - como se fosse simples assim); -> Há também os que se identificam tanto com uma deidade que se fecham para todos os outros deuses, e ficam até de briguinha com o suposto rival (por exemplo: apolíneos versus dionisíacos, seguidores de Atena versus de Poseidon, os de Hefesto e os de Ares etc), o que contradiz o politeísmo e transforma antigos mitos em posturas preconceituosas/prejudiciais e superficiais; -> Também são muitos os que escolhem e declaram seus próprios patronos porque acham que isso vai acrescentar algo 'legal/maneiro' à sua espiritualidade e lhe dar pontos de status na comunidade (e não sabem no que estão se metendo ao fazê-lo); e -> Outro engano comum é incluir um quê místico-cristão nas mensagens dos deuses, sentindo-se 'chamado' (como uma 'vocação' clerical), entendendo cada coincidência como um grande 'sinal' e todo sonho como uma 'visita' (sem distinguir os dois portões dos sonhos), quase em uma superstição exagerada (deisidaimonia). Então vamos tentar esclarecer melhor essa relação, para tentar diminuir esses eventos: ₪ Primeiro, são os patronos que começam esse relacionamento, não nós. Às vezes a gente nem se toca, mas eles são persistentes. ₪ Segundo, nem todo mundo tem um patrono (já que isso envolve um interesse de ambas as partes), o que também não significa que ter um patrono seja alguma pretensão de achar que temos intimidade com um deus, afinal Eles se importam sim com a gente. ₪ Terceiro, relacionamentos mudam, evoluem, terminam... E se isso já incomoda nas nossas relações humanas, fica ainda mais incômodo quando é a gente com Eles, porque Eles fazem mais falta quando os sentimos distantes, quando não nos pedem coisas para fazer com a mesma frequencia que antes, quando nos deixam confusos pensando se fizemos alguma coisa errada e não temos certeza do quê. Com relação a essa transformação: Quando isso acontece, a solução é 'perscrutar', procurar por algo que nos acenda um chama na memória/percepção, perguntar aos oráculos, refletir, meditar... Pode ser que sua relação com aquela deidade tivesse mesmo que ser temporária, ou que você mudou tanto que não 'combina' mais com Ele/a (muito semelhante ao que acontece quando mudamos de 'turma' devido à mudança de interesses), e aí o negócio é mesmo seguir em frente, "partir pra outra". No entanto, é importante manter sua prática devocional com aquele/a deus/a, na verdade até aumentá-la para não confirmar a possibilidade de que você perdeu a conexão por conta da sua própria negligência. Isso demonstrará interesse contínuo no deus/a, mesmo que você já não tenha tanta resposta direta. O mais importante é tentar não se angustiar e procurar ficar de coração aberto para ouvir o que Eles têm a dizer. Eu sei que muitas vezes é difícil distinguir o que vem deles no meio das nossas discussões internas, mas com o tempo a gente vai se educando. Tem coisas que são claras e a gente simplesmente bate o pé e teima em achar que não são. Uma das situações que podem mudar é assimilarmos outro aspecto da mesma deidade e ficar querendo permanecer no anterior bem conhecido, com 'saudade' de um passado que já cumpriu sua função. E o que era fácil antes se transforma em um grande esforço e desafio quando insistimos em não deixar ir. Por exemplo, pode ser que na adolescência você adorasse suas aulas de teatro, seus acampamentos escoteiros no mato, sua roda de violão em volta da fogueira, os beijos ninfolépticos roubados de mênades carnívoras vestidas de oncinha; e hoje você tem a liberdade de ir aonde quer, aprecia vários tipos de vinho e têm crises de ansiedade e desespero seguidas de maravilhamentos arrebatadores e devotos. Aí você pensa que era mais legal a parte rural e teatral e bacante de Dionísio, que você nunca mais conseguiu ter, e se esquece que ele também é delírio divino, um deus libertador, embriagador e catártico. Ele quebra padrões, te lança para fora do corpo (ek-tasis). E justamente por Ele te amar é que Ele não vai querer te deixar preso/a naquela confortável orgia da juventude sem te sacudir e empurrar para a frente, para vencer desafios, sair correndo loucamente e crescer com isso. Se o teatro são máscaras, você precisaria conhecer as outras faces dEle, um que nem todo mundo vê e que te fará sentir-se mais perto de um ser completo/a. É algo que ao mesmo tempo em que te coloca no teu humilde lugar, te concede presentes incríveis. Há deidades com as quais podemos inclusive experimentar extremos altos e baixos, nos deixando sem noção de quando começou, onde estamos e aonde vai parar. São como períodos em que se manifestam muito fortemente em nossas vidas, seguidos de outros em que quase não temos notícias dElas. Mas tudo bem, pois - enquanto isso - outras relações foram se desenvolvendo e se fortificando. Faz parte de ser politeísta. Enquanto nossas relações tomam seus rumos, vamos aos poucos descobrindo que seguiram seu curso natural, que não adianta tentar forçar coisas ou ignorar outras, pois os deuses vêem melhor e mais longe do que conseguimos ver. Outras deidades possuem um relacionamento bem simples e aparentemente imutável conosco. Pode ser, por exemplo, que o único momento em que você se sente confortável com Apolo seja na hora de consultar oráculos, que você não saiba lidar bem com seu lado arqueiro-destruidor ou outro aspecto, e que isso não seja um 'ainda', mas algo que você já percebeu como aparentemente constante. Há infinitas possibilidades de mudanças nesse tipo de relacionamento. Incluso alternância de deidades aparentemente opostas. Ter uma deidade de patrono não te impede de experimentar o suposto outro-lado-da-balança. Se Dioniso e Apolo se alternam em Delfos, se a cidade tem lugar para teatro e oráculo, por que nossa alma também não teria momentos de caos e de ordem? Eu posso, por exemplo, ter contato com várias facetas de Dionísio, mesmo sendo expressivamente um ser racional de Atena, e lidar com apenas uns dois ou três aspectos de Apolo, servindo-lhe como oráculo, procurando-o em questões de saúde, e honrando-o no equilíbrio da beleza e da arte. Por mais que a afinidade de Atena pareça ser mais com o filosófico de Apolo, o lado meditativo transgressor do dionisíaco me é mais próximo do que a sobriedade apolínea. E não vejo nem sinto uma contradição nisso. Hermes é um dos deuses que mais me confundem, o que pode ser típico de um trickster brincalhão. Ele consegue se mostrar uma hora como o deus dos terapeutas, portador do caduceu, mostrando os caminhos dos mistérios, conduzindo as almas, removendo obstáculos, dando rapidez aos processos... para, em outra hora, brincar com sua sorte, baixar sua reserva de ferro (Mercúrio), fazer coisas desaparecerem e te aturdir com palavras intrincadas no meio da comunicação. Ele não era muito de me exigir rituais, altares, preces, ele queria que eu lembrasse dele no trânsito, na rua, na minha aprendizagem de idiomas, na tecnologia, e que eu reorganizasse minhas crenças de forma a incluir o culto aos ancestrais que ele conduziu ao além quando me deixaram. Ele quase que serve como um laço meu com os outros, se mostrando pouco como Ele mesmo - às vezes porque ele passa tão rápido com suas asinhas que eu mal o percebo em meio à multidão, como aconteceu em um sonho no qual o vi passar de clâmide vermelha entre o povo. Isso me lembra que nem toda deidade precisa de um altar dentro de casa. Alguns querem mesmo é te encontrar ali no mar, na árvore, no concreto da cidade. O importante é perceber onde você sente mais fortemente a presença de cada um. Há deuses que preferem uma prece todos os dias antes de dormir do que um festival anual com procissão e bolo de mel com cevada aspergida no vinho misturado. E há outros deuses que sentem-se mais reconhecidos através de uma aproximação formal com data marcada do que um descuidado em chegar-se nele sem o apuro devido a alguém de tanta importância. É como certos membros da nossa família: mesmo que você os conheça desde pequeno/a, tem aquele com quem você mantém uma relação de respeito e aquele que te exige um tratamento brincalhão até quando você está a fim de falar a sério. Aproximar-se de Poseidon ao limpar a praia, de Apolo ao purificar um miasma, de Asclépio ao cuidar de um doente, são coisas que fazem parte da rotina de um verdadeiro politeísta, sem ficar se perguntando se há um patronato envolvido nessa afinidade ou não, se a comunhão com o sagrado é por conta de uma escolha que um/a deus/a de você ser dele/a. Você pode ter algo profundo com uma deidade sem necessariamente ser algo permanente. Seja por que você mudou ou por que a vida teve um curso diferente ou por que aquilo só era necessário para uma determinada tarefa/missão. Claro que também acontece existir um relacionamento com um/a deus/a que não só seja duradouro e permanente agora, como possa ter vindo de outra vida e se estender por outras mais que virão. Existem inclusive deuses que se aproximam pelo simples fato de Eles próprios terem afinidade com a outra deidade com a qual você está criando um relacionamento. Nesse caso, seria comum perceber a presença conjunta de Deméter e Perséfone, de Eros e Psiquê, de Zeus e Hera, de Hermes e Hécate etc. Mas isso também depende do tipo de aproximação, talvez você se aproxime de Ártemis por conta de ela também ser arqueira como Apolo, mas não a sinta presente quando se achegar a Apolo por conta do seu lado oracular. Os deuses podem se interessar por você por algo que vocês têm em comum - como Ares gostar de um lutador de artes marciais - ou justamente por algo que vocês não têm em comum - como Dioniso ficar a fim de chacoalhar as bases de alguém que ele achou muito rígido e preso a convenções. De todas as coisas que pudemos pensar, percebemos que não só uma pessoa pode ter dinâmicas diferentes com deuses diferentes como essa dinâmica pode mudar com o tempo. É preciso ver se (e o que) está funcionando para ambas as partes. Sentir-se fora de sincronia pode ser um sinal de mudança, e é preciso estar aberto a isso, sem impor suas vontades e julgamentos - e muito menos as vontades e julgamentos de outras pessoas. Vale a pena passar por essa rica experiência e aproximar-se a cada dia mais do "conhece-te a ti mesmo" através do que os deuses nos mostram e demonstram. A nossa preocupação não deve ser com a dúvida que isso gera, e sim em nos manter íntegros e constantes em nossas práticas e na nossa dedicação a Eles. Como diz a sabedoria popular: "as ervas daninhas crescem pelo caminho onde ninguém passa"... Fontes: http://www.angelfire.com/poetry/sannion/patrons.html http://forestdoor.wordpress.com/2011/01/12/evolving-patron-relationships/ http://forestdoor.wordpress.com/2011/08/08/varying-deity-relationships/ Reflexões pessoais.

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